Ao analisar mais de 400 relatórios detalhados de investigação de incidentes, Larry Wilson, autor do SafeStart e moderador do SafeConnection, descobriu que mais de 45% das mortes detalhadas nos relatórios, aconteceram com pessoas com mais de 50 anos. A maioria delas tinha muitos anos de experiência na função.
Descobertas similares acabam de ser divulgadas na Grã-Bretanha. Para alguns, isso pode parecer contraintuitivo. Não seria menos provável sofrer uma lesão quando se tem mais experiência e mais competência? E os trabalhadores mais jovens, com menos experiência e treinamento, não teriam mais probabilidade de se machucar? Isso levou Wilson a se lembrar de uma conversa que teve há mais de 30 anos com um trabalhador muito mais velho da área de segurança, que disse a ele: “Larry, os jovens se machucam muito mais do que os mais velhos, mas são os velhos que morrem”. Na época, Wilson não entendia por quê, mas sabia que este era um tópico no qual valia a pena investigar. Infelizmente, isso ainda é tão relevante quanto naquela época, e por isso, ele convidou mais oito especialistas para discutir competência, complacência e lesões graves e fatalidades (SIFs).
Wilson iniciou o painel perguntando aos especialistas se eles notavam o mesmo padrão em relação aos trabalhadores mais velhos, que constituem uma porcentagem maior das SIFs. E a resposta geral foi “sim”. Para Ravindra Dhapola (chefe de EHS, CSR e Sustentabilidade da Tata Coffee), isso faz muito sentido. “Com 20 anos de experiência, a complacência se instalará. Então, um dia, algo acontece e há um incidente grave.” Mas o que seria esse “algo”? O que é que transforma um dia normal de trabalho em um dia desastroso? De acordo com Alex Carnevale (presidente da Dynacast International), não é apenas uma coisa. “Várias coisas dão errado ao mesmo tempo. Por exemplo, os olhos ou a mente do trabalhador não estavam na tarefa e havia desvios de procedimento, falta de EPI etc.
Quando você faz algo por tempo suficiente, acaba se tornando inconscientemente incompetente. Mas, às vezes, você não está fazendo o trabalho 100% corretamente, então também haverá momentos em que será inconscientemente incompetente, e não estará ciente do seu desvio de procedimento.
Mas, como aponta Shankar Rajagopalan (chefe de Segurança, Qualidade, Sistemas, Sustentabilidade, Melhoria de Processos e Excelência Empresarial da Sterling & Wilson Middle East Solar Energy), os incidentes nem sempre acontecem por causa de condições de risco. “Quando você faz algo por tempo suficiente, acaba se tornando inconscientemente incompetente”, comenta. “Mas, às vezes, você não está fazendo o trabalho 100% corretamente, então também haverá momentos em que será inconscientemente incompetente e não estará ciente do seu desvio de procedimento.”
Não foram poucas as vezes em que um gerente sênior me perguntou como alguém poderia se tornar complacente com 13.800 volts. E eu sempre digo: ´da mesma forma que você se torna complacente o suficiente para adormecer ao volante.
Jim Spigener (diretor de clientes da DEKRA) explica isso de outra maneira. Segundo ele, como nosso cérebro usa muita energia, a evolução nos levou a tentar conservar a glicose no sangue, portanto, quando a tarefa é rotineira, o cérebro não precisa pensar sobre ela. “Eventos graves acontecem frequentemente em operações de rotina. É por isso que alguém com tanta experiência pode acabar cometendo um erro potencialmente fatal”, afirma. Ele conta que, durante as duas primeiras semanas em que trabalhou em uma fábrica de cianeto, ficou apavorado. “Depois de alguns anos, comecei a caçar vazamentos de cianeto com o olfato.” Ou seja: o ser humano pode se acostumar a qualquer nível de risco. Quando colocado desta forma, faz sentido. Mas, para muitos, a ideia de que alguém pode se tornar complacente com grandes quantidades de energia perigosa é difícil de aceitar. “Não foram poucas as vezes em que um gerente sênior me perguntou como alguém poderia se tornar complacente com 13.800 volts”, observa Larry Wilson. “E eu sempre digo: ´da mesma forma que você se torna complacente o suficiente para adormecer ao volante´.”
Se nossos cérebros são programados para se tornarem complacentes, algo precisa ser feito para impedir que isso aconteça ou mitigar seus efeitos. Waddah Ghanem (diretor sênior do Fellow Board Directors Institute GCC), oferece uma possível solução. “A empresa pode colocar processos para evitar esse tipo de complacência. Se você tem alguém que é muito bom no que faz, uma hora ele vai cair na rotina. Então, você pode fazer com que eles façam outra coisa para mudar essa rotina.” Alex Carnevale também recomenda que se pense no pior cenário. “Temos que assumir que pode haver uma infração ou algo errado em nível pessoal. Muito raramente foi a primeira vez em que o problema quase aconteceu”, ressalta. E é provável que você ouça muitas vezes algo como: “Ah, sim, eu quase fiz isso uma vez”, ou “Quase esqueci disso uma vez”. Você quer ter certeza de que as pessoas não serão punidas por denunciarem esses quase acidentes.
A empresa pode colocar processos para evitar esse tipo de complacência. Se você tem alguém que é muito bom no que faz, uma hora ele vai cair na rotina. Então, você pode fazer com que eles façam outra coisa para mudar essa rotina.
Outro especialista afirma que onde ele trabalha, fazem com que os colaboradores não especializados em segurança e alguns de outras áreas percorram a planta e vejam o que os faz se sentirem desconfortáveis, porque essas são coisas que um operário pode dar como certas. Ele conta que também perguntam aos colaboradores: “Se seu filho estivesse trabalhando nesta instalação, onde você não gostaria que eles trabalhassem? E por quê?”
Jack Jackson (consultor sênior do SafeStart) tem uma história arrepiante sobre uma SIF que aconteceu sob sua supervisão. O colaborador era um terceirizado regular que fazia a manutenção em rampas de aço. Quando Jackson foi vê-lo, notou que não estava usando o equipamento de segurança. “Fui até ele e perguntei se ele deveria estar usando seu EPI. E ele me disse: ´eu tenho feito isso desta maneira por anos´.” Então, o alarme tocou para que eles fizessem uma pausa. Ao retornar, Jackson foi procurar o colaborador. Só depois de ter ficado em cima da rampa por algum tempo é que percebeu que o colaborador estava esmagado debaixo dela, sob seus pés. “Tudo em que eu consegui pensar foi: como é que alguém que vem fazendo isso há anos pode ter cometido um erro assim?”, diz. Para Jackson, é bem provável que, nas primeiras vezes em que o colaborador fez esse trabalho, pensou: “E se essa coisa cair?”. Mas, depois de mais ou menos uma década, ele provavelmente não pensou mais nisso. O homem sobreviveu, mas ficou paralisado do pescoço para baixo e nunca mais voltou a falar.
Embora seja um exemplo extremo, a história de Jackson mostra como a questão da competência e da complacência pode se tornar ainda mais difícil com os trabalhadores terceirizados. Afinal, como se constrói uma cultura de resiliência com esses trabalhadores? Para Hari Kumar (diretor de EHS e Assurance da Emirates National Oil Company), este é um grande desafio. Ele ressalta que não é segredo que os terceirizados são frequentemente o elo mais fraco e que, em sua empresa, há uma taxa de incidentes muito maior entre os terceirizados do que com os colaboradores permanentes. “Quando se trata de prevenir SIFs, não podemos distinguir entre ambos, mas, quando os recursos e o tempo são limitados, a prioridade realmente é do seu próprio pessoal.”
Assim, para equilibrar essa tendência, eles colocaram mais recursos para monitorar os terceirizados em seu local de trabalho, passando de 3 para 11 monitores que estão lá para atualizar esses trabalhadores sobre os procedimentos e garantir que eles sejam competentes. Ravindra Dhapola também enfatiza a importância de capacitar os gerentes que trabalham em estreita colaboração com o campo e as operações para vigiar o comportamento dos trabalhadores. “Não podemos simplesmente dizer ´nós os treinamos, agora a responsabilidade é deles´. Temos que ir até lá e ter certeza de que eles estão fazendo isso.”
À primeira vista, os ferimentos fatais parecem contraintuitivos; mas, quando você se aprofunda nos motivos desses incidentes, eles começam a fazer mais sentido. Com a experiência vem a complacência e, com suficiente complacência, eventualmente acontece algo inesperado – todas as situações cotidianas têm o potencial de escalar um pequeno erro, como uma perda de equilíbrio, para uma SIF.
No entanto, não podemos desacreditar a importância da competência. Não queremos eletricistas, mecânicos, operadores de guindastes ou mesmo motoristas de empilhadeira incompetentes. Isso é especialmente verdadeiro quando se trata de terceirizados: temos que assegurar que todos sejam devidamente treinados, certificados e que desempenhem o trabalho corretamente. Isso também é vital. Uma das ideias foi modificar o design do trabalho para que os trabalhadores não caíssem em rotinas monótonas. Levar a sério cada relatório de quase acidentes também pode ajudar a evitar a ocorrência de incidentes mais sérios. Em outras palavras, a situação está longe de ser desesperadora. Há muito mais que podemos fazer para evitar que a complacência cause uma SIFs.
Na visão de Larry Wilson, embora o erro humano seja inevitável ou imprevisível, os estados físicos e emocionais que os causam não o são. “Você sabe quando provavelmente estará cansado todos os dias, e provavelmente estará se sentindo melhor dentro de cinco ou dez minutos. Sabe quando provavelmente estará com pressa. Sabe quem ou o que o deixa frustrado e também pode prever, com bastante precisão, quando você provavelmente se tornará complacente ou entrar em piloto automático”, diz. “Então, tudo o que você precisa fazer é pensar nos quatro estados (pressa, frustração, cansaço e complacência), especialmente na complacência, já que não consegue percebê-la no momento em que acontece. E apenas se perguntar, em uma escala de um a dez, quão complacente você é com esse trabalho ou essa tarefa.” Ou seja: segundo Wilson, podemos vencer a complacência, mas temos que colocar as ferramentas para fazê-lo nas mãos do trabalhador. “Não vai acontecer apenas colocando cartazes que digam: ‘Pense na segurança’”, conclui.